domingo, 24 de março de 2013

DESTRUINDO NÓS MESMOS


O fim da Aldeia Maracanã - Imagem: uol
O Brasil, e o povo brasileiro em si, nunca foi muito de dar valor aos seus patrimônios históricos e culturais, muito menos as suas memórias e semióforos. Mas desta vez exageramos. Deixamos mais uma vez que interesses particulares tomassem conta de manifestações culturais coletivas. E isso é mais uma derrota a nossa memória. Saímos de campo com a sensação de que perdemos para nós mesmos.
Nesta última sexta-feira (22/03), o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro (a mesma que entra com caveirões nos morros cariocas), amparada por uma ordem judicial, tomou o antigo prédio do Museu do Índio, no bairro do Maracanã. No local existia a Aldeia Maracanã, onde índios ainda tentavam reviver os ideais de Darcy Ribeiro, antropólogo e fundador do Museu, que gostaria de ver o melhor convívio possível entre os índios e os “homens brancos”. A justiça determinou a tomada do local como parte da implantação de melhorias no entorno do Estádio do Maracanã, que vai receber a Copa do Mundo da FIFA de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Segundo o governador do Rio, Sérgio Cabral, no local vai ser construído o Museu do COB (Comitê Olimpico Brasileiro). Pergunta-se então: qual valor cultural é mais importante para a história do Brasil, a dos Índios, primeiros moradores deste local, ou das medalhas de atletas? Decidiu-se pela segunda opção.
O antigo Museu do Indio no bairro do Maracanã - Imagem: O Globo
            O nome Maracanã vem do tupi Maraka´nã, que significa papagaio. Ali onde o Museu foi construído era considerado um solo sagrado pela Aldeia Maracanã, a mesma que deu nome ao rio que passa por ali, à avenida, ao bairro e ao estádio. Os índios possivelmente ali ainda viviam em forma de demonstração de que tudo pode mudar ao seu redor, mas não o meio em que eles vivem. Um caso de resistência mesmo. Tudo estava ali antes mesmo do Rio de Janeiro existir, muito antes de se pensar em estádio e Copa do Mundo. Ali foi construído um sonho de se preservar a memória do índio, para que a nossa sociedade pudesse ter conhecimento (ou se dar conta!) de que muito de nós são eles. Muitos de nossos hábitos, palavras, costumes e culturas são indígenas. Mesmo isso parecendo tão evidente e tão óbvio foi necessária a construção de um local de memória para que se pudesse preservar e tomar conhecimento disso. Mas perdemos mais uma. Além das tantos  arrancados de suas tribos amazônicas, vemos mais uma invasão típica dos portugueses do século XVI, às tribos contrárias aos ideais da metrópole. Agora só falta chegar os jesuítas para catequizá-los.
Alguns argumentam que o prédio estava abandonado e que o Museu já tinha se transferido para um palacete no bairro de Botafogo, e que agora os índios vão para outro local determinado pela prefeitura. Mas será que ninguém percebe a relação que os índios têm com o lugar em que vivem? Que na verdade são parte da natureza e do meio em que sobrevivem? Sociedades e tribos não foram feitas para que se fique mudando-as de lugar, e sim para serem preservadas como  pertencentes a nossa sociedade, ao nosso passado.
O Rio de Janeiro, não o único, mas  ótimo exemplo, tem se mostrado o mais truculento de todos em relação a essas “acomodações” para os jogos. Em muitos casos parece-se com a política higienista do começo do século XX, onde várias pessoas foram expulsas do centro da cidade para dar lugar a grandes avenidas e passeios para a nova alta sociedade: a republicana, com grandes ambições de ser nobreza. Essas pessoas, expulsas, podem ser vistas através de seus ascendentes morando no alto dos “pacificados” morros cariocas.
Frase Emblemática no interior do Prédio - Imagem: Eduardo GM de Castro
            Até quando será que vamos admitir que pessoas determinem o que deve e o que não deve ser preservado como patrimônio e memória do Brasil? Mais um projeto arquitetônico vai ser demolido, mais uma tribo vai ser arrancada de seu local de origem, mais uma cultura vai ser massacrada, e mais uma vez não vamos fazer nada. O progresso é sempre mais importante, desenvolve, enriquece e também esquece. E mais alguém vai ser esquecido e vai ser lembrado apenas no dia 19 de abril, quando as tias das escolinhas vão pintar as caras das crianças para “comemorar” o dia do índio. Parabéns a todos nós brasileiros por mais esta demonstração de “ordem e progresso”.
Termino com uma frase do próprio Darcy Ribeiro, criador do Museu:
"Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária...”. Parecem-me causas cada dia mais utópicas.

P.S.: Por favor, avisem a Coca-Cola de que ela esqueceu-se de colocar em sua propaganda que, apesar de ser a copa de todo mundo, os Índios da Aldeia Maracanã não foram convidado